quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Proteção social, mais um desafio para o desenvolvimento sustentável


Proteção social, mais um desafio para o desenvolvimento sustentável
O sol frio da manhã de inverno era um convite para desapressar o passo, sentar e bater um papo ali na pracinha. E eu, sempre correndo para um compromisso ou leitura, quase ia perdendo este prazer se não tivesse encontrado Ester. Como geralmente faz, ela me parou para tocar e acarinhar meu cachorro, que a remete à lembrança do seu, da raça Bichon Frisé, muito querido, que morreu há dois anos. Desde então, quando nos encontramos ela mareja o olhar enquanto abraça meu Fred. Em sequência, já no passo apressado, costumo buscar convencê-la que deveria tentar encontrar outro cachorro, que não se vive bem sem eles. Ela, sempre se negando.

Naquele dia, porém, talvez o sol quentinho e o fato de estar surpreendentemente sem pressa tenham contribuído. Parei, fiz contato, ouvi o que Ester tinha para me dizer, os motivos que a levam a não querer ter outro cachorro. E me comovi:

— Tenho 73 anos, não tenho filhos e moro sozinha. Hoje em dia, com o avanço tecnológico, a medicina veterinária tem feito surpresas muito boas para quem gosta da companhia desses bichinhos, tornando-os cada vez mais longevos. Outro dia vi um, da raça Shih Tzu, com 16 anos, imagine você! A minha questão é a seguinte: eu, certamente, não viverei mais tanto tempo. Ou, se viver, não conseguirei estar esperta o suficiente para alimentar, cuidar, caminhar com um cachorro. Portanto, seria egoísmo demais pegar um filhote – disse ela.

Se alguém me perguntasse, eu nunca daria 73 anos para aquela mulher. A pele, os cabelos, até mesmo o caminhar, tudo indica que ela também, como todos nós, está se beneficiando dos avanços da Medicina. Lúcida, ética, com consciência do corpo, de seus limites, sem ressentimentos nem dramas.


Rômulo Paes de Sousa na palestra sobre a proteção social como desafio

Toda a cena veio forte à minha cabeça ontem à tarde, quando estive na Escola Nacional da Saúde Pública (ENSP) para assistir à palestra “Saúde e Desenvolvimento Sustentável” do médico Rômulo Paes de Sousa, diretor do Centro Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, um dos legados da Rio+20. Ele já foi consultor do sistema de saúde na África, no Reino Unido, no Egito e liderou a publicação do Atlas das Desigualdades para o Ministério da Saúde.

Na palestra, Rômulo basicamente falou sobre os desafios da proteção social para um desenvolvimento verdadeiramente sustentável. Entenda-se por proteção social aquela que vai além de dar dinheiro para os pobres:

—- Há casos de desnutrição entre idosos que nada têm a ver com falta de dinheiro para comprar comida, mas com abandono. Já vimos casos em que o idoso almoça e janta pipoca, porque é fácil pôr no microondas, e assim vai ficando doente – disse Rômulo Paes de Sousa.

Resolver esse tipo de situação é mais complexo do que transferir renda, garante o especialista. E eu acredito.

Aqui, vale lembrar outra pesquisa, também do Ipea, divulgada no dia 22 do mês passado, dando conta de que a expectativa média de vida do brasileiro na década de 1970 era de 52,4 anos, e em 2007, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), alcançou 72,7 anos, enquanto no mesmo intervalo de tempo a taxa de fecundidade despencou de 5,76 para 1,9 filho por mulher, e o número de casamentos, no civil e religioso, caiu de 64,53% da população para 49,48%. O Brasil, portanto, está envelhecendo, apesar de estar vivendo uma era jovem:

— Houve uma captura da agenda social por uma lógica de combate à pobreza, mas é mais do que isso. Se estamos falando de um conjunto de políticas de transferência de renda que tem alcance e tem evidencias de que há uma mudança positiva na vida das pessoas pobres e extremamente pobres, a proteção social é importante, até mesmo num cenário de pleno emprego — lembra Rômulo Paes de Sousa.

Uma das atribuições do Centro dirigido por Rômulo Paes de Sousa é contribuir para a Agenda de Desenvolvimento pós-2015, pós Objetivos do Milênio, uma convocação das Nações Unidas. E seu desafio é conseguir um eixo que nem seja corroborar a necessidade das ações individuais para poupar recursos naturais (tipo feche a torneira enquanto escova os dentes) nem se afastar demais do dia a dia visando apenas ao futuro do planeta. Tudo isso é necessário, tudo isso é urgente. Mas é preciso pensar que um desenvolvimento só se faz sustentável quando encontra razões e desafios no pilar social. Não existe meio ambiente sem gente.

As catástrofes provocadas por alteração climática, por exemplo, são uma realidade para as quais os governos brasileiros precisam se adaptar, alerta o médico. Antigamente, a solução para esses casos ficava unicamente nas mãos da Defesa Civil. E o setor de Educação também costumava ser chamado porque os atingidos ocupavam escolas da região. A Assistência Social, aquela que dá contorno, abriga, protege, inclusive psicologicamente, quem fica sem casa de uma hora para outra, entrou bem recentemente para sofisticar um pouco mais a solução. Certamente muito mais terá que ser feito quanto maiores forem as enchentes, as secas, o frio e o calor intenso.

No pilar econômico/social, Rômulo lembra que a América Latina tem resolvido questões e apresentou um estudo realizado pelo Banco Mundial em 18 países de 1990 a 2010, que corrobora as notícias de crescimento da região. Só no Brasil, 22 milhões de pessoas superaram a extrema pobreza de 2003 a 2011 com os programas governamentais de transferência de renda.

— As pessoas não vão mais para as ruas pedir arroz e feijão porque isso já está, pelo menos parcialmente, resolvido. Mas a saúde e a educação continuam sendo alvo, sobretudo por causa da dificuldade de acesso e à qualidade.

Tem sinais claros de que a situação é melhor hoje. Há menos desigualdade, os municípios do Norte e Nordeste foram os que tiveram maior crescimento, segundo o estudo divulgado pelo Ipea na segunda-feira. “Mas o mapa da pobreza no Brasil respeita a mesma territorialidade, desde Josué de Castro”, alerta o médico. E os gastos com a proteção social aumentaram, sobretudo através do aumento da necessidade do auxílio desemprego, que veio com a crise econômica:

— É evidente, tinha que ser assim. Não seria possível reduzir a questão econômica e não dar proteção social. Daí a importância de se alinhar o discurso contemporâneo da proteção social com o que está em debate: direitos, equidade, sustentabilidade e apropriação nacional.

Os brasileiros têm tradição familiar, mas há aqueles que saem dessa linha, que são os extremamente pobres, sem vínculo paterno, materno, filial. E há os idosos que moram sozinhos, como minha amiga Ester, que em algum momento precisarão que o Estado lhes dê algum tipo de ajuda. O que todos queremos é que haja um sistema pronto para isso quando necessário.

FONTE: http://g1.globo.com/nova-etica-social/platb/2013/08/02/protecao-social-mais-um-desafio-para-o-desenvolvimento-sustentavel/

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